Para o homem simples de pequenas cidades do interior, na visão de quem a Prefeitura e a Câmara de Vereadores são – ou foram – símbolos de honradez e autoridade, logo após o Juiz de Direito e o Vigário, o Senado da República desde sempre representou algo solene, habitado por varões de reputação ilibada.
Alimentada pelas transmissões em ondas curtas da Rádio Nacional, na imaginação do interiorano o Senado Federal abrigava políticos honrados e de invejável eloquência, a exemplo do baiano João de Lima Teixeira ou do paulista Auro de Moura Andrade.
A transferência da capital para Brasília não fez bem aos Três Poderes e à Nação.
A partir de 1961, com a renúncia de Jânio Quadros se inicia lento, mas inexorável processo de decadência política, que culminará com a eleição do aspirante a ditador, capitão Jair Bolsonaro.
Machado de Assis, talvez o maior escritor brasileiro de todos os tempos, dedicou à Câmara Alta sua obra prima, a crônica
O Velho Senado, da qual recolho o seguinte trecho: “Nenhum tumulto nas seções. A atenção era grande e constante. Geralmente, as galerias não eram mui frequentadas, e, para o fim da hora, poucos expectadores ficavam, alguns dormiam.
Nabuco e algum outro dos principais da Casa gozavam do privilégio de atrair grande auditório, quando se sabia que eles rompiam um debate ou respondiam a um discurso.
Nessas ocasiões, mui excepcionalmente, eram admitidos ouvintes no próprio salão do Senado, como, aliás, era comum na Câmara temporária; como nesta, porém, os espectadores não intervinham com aplausos nas discussões.
A presidência de Abaetê redobrou a disciplina do regimento porventura menos apertada no tempo da presidência de Cavalcanti”.
No passado Rui Barbosa, paradigma de jurista, orador, escritor, político, diplomata, apontou o Senado como “assembleia de varões íntegros”, para manifestar o respeito pela Casa enobrecida com a sua combativa presença.
Senadores de elevada capacidade intelectual e compostura moral aprendemos a admirar nas figuras de José Américo de Almeida, Oscar Passos, Alberto Paqualini, Daniel Krieger, Nereu Ramos, Aloysio Chaves, Luís Vianna Filho, Nelson Carneiro, Magalhães Pinto, Petrônio Portella, Jarbas Passarinho, Franco Montoro, Tancredo Neves, Antônio Carlos Konder Reis, Mauro Benevides, Pedro Simon, Paulo Brossard, Marco Maciel, José Sarnei.
O Senado perdeu a velha dignidade.
Vem à lembrança o conto O Alienista, de Machado de Assis com o asilo Casa Verde, onde o dr. Simão Bacamarte confinava os doidos de Itaguaí.
Basta acompanhar os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia, para se constatar em tempo real, pela televisão, a doidice de alguns senadores.
Vassalos do bolsonarismo tentaram evitar a apuração dos fatos, como aconteceu na sessão da última sexta-feira.
Tudo fizeram para impedir que o servidor público do Ministério da Saúde, Ricardo Miranda, relatasse fatos documentados sobre a aquisição da vacina indiana
Covaxin de empresa particular “por preço 1.000% acima do inicialmente informado pelo laboratório indiano Bharat Biotech” (O Estado, 26/6, pág. A1).
Resta saber se o presidente Bolsonaro admitirá ser convocado pelo Senado, para elucidar os fatos e explicar as razões que o convenceram a se omitir, embora sabedor do que se passava no Ministério da Saúde.
Dependendo do que for apurado e se houver forte indício de crime de responsabilidade, talvez seja necessário acionar o Art. 85 da Constituição.
O relatório da CPI o dirá.