Paulo e Pedro: dois pilares do cristianismo Discípulos missionários de Jesus de Nazaré

Hoje é festa dos apóstolos Pedro e Paulo, dois grandes pilares do cristianismo. Tempo propício para refletir sobre o legado espiritual-profético de Pedro e Paulo. Os dois se identificaram com o projeto do Evangelho de Jesus Cristo e se doaram no seu seguimento, orientados pela boa notícia aos pobres. Terminaram martirizados, segundo a tradição da igreja.
Pedro era um líder entre os discípulos devido à sua personalidade.
Simão Pedro, também chamado na Bíblia como Cefas ou Simão Barjonas, trabalhava como pescador na região da Galileia. Ele e seu irmão André foram os dois primeiros discípulos a serem chamados por Jesus para segui-Lo, conforme está escrito em Mateus 4:18-20. O chamado de Jesus para Pedro veio logo após uma pesca milagrosa, como está relatado em Lucas 5:1-11. Ele era aquele que “dava a sua cara a tapa” fazendo aquilo que os discípulos tinham vontade, mas não tinham coragem para fazer. Foi ele o discípulo que quis andar até Jesus sobre as águas. Quando os discípulos estavam no meio de uma tempestade em um barco, viram alguém sobre as águas e acharam que era uma assombração, mas, em seguida, viram que era o Senhor Jesus. Então, Pedro pediu a Jesus para que o chamasse a ir até Ele sobre as águas (Mateus 14:28-31).
Amor Incondicional a Jesus:
Simão, filho de Jonas, amas-me mais do que estes? João 21,15-17
Jesus fez três perguntas a Pedro que o fizeram refletir sobre qual o amor que ele sentia pelo Mestre. No grego, existem três palavras que representam diferentes tipos de amor: eros, ágape e phileo. O amor “eros” está relacionado à atração de um homem por uma mulher e de uma mulher por um homem; o amor “phileo” refere-se a um amor fraternal (entre irmãos); e o amor “ágape” refere-se a um amor INCONDICIONAL, o amor que está escrito em 1 Coríntios 13: o amor que tudo sofre, tudo crê, tudo espera e tudo suporta.
Jesus fez a primeira pergunta referindo-se ao amor “ágape”, mas Pedro respondeu que o amava com um amor “phileo”. Observe que Jesus perguntou a Pedro se O amava incondicionalmente e o discípulo respondeu que amava apenas com um amor fraternal. Na segunda pergunta, aconteceu o mesmo. Então, Jesus resolveu falar na mesma linguagem de Pedro e fez a terceira pergunta referindo-se a um amor “phileo” e recebe de Pedro a resposta de que O amava com um amor “phileo”, ou seja, um amor fraternal.
A Conversão de Pedro é um processo
As três perguntas de Jesus a Pedro fizeram com que o discípulo refletisse profundamente sobre qual amor tinha pelo Seu Mestre, aquele pelo qual jurou que morreria se fosse necessário. Esse encontro dialogal mudou a vida de Pedro para sempre, pois, a partir dessa confrontação, ele decidiu amar Jesus verdadeiramente com o mesmo amor que Ele nos amou, um amor incondicional capaz de dar a sua própria vida por nós. A partir desse momento, Pedro nunca mais deixou de amar o Senhor Jesus verdadeiramente. Prova disso são suas atitudes relatadas no livro de Atos dos Apóstolos. Quando os discípulos receberam o Espírito Santo no dia de Pentecostes, muitos que ali estavam diziam que os discípulos estavam embriagados. Porém, um discípulo tomou a iniciativa de esclarecer o que estava acontecendo.
Discurso de Pedro – profético e corajoso
Segundo Atos dos Apóstolos, o apóstolo Pedro foi quem fez o primeiro discurso após o primeiro Pentecostes (At 2,1-14), um discurso profético e corajoso (Cf. At 2,14-36), no qual Pedro denuncia de forma altaneira: “Vocês autoridades mataram Jesus, mais Deus o ressuscitou!” Pedro teve a grandeza de sair de Jerusalém – a igreja mãe – e ir conviver com comunidades consideradas impuras, heréticas, no meio dos excluídos (Cf. At 9,32-43). A convivência com os pobres se tornou a base do processo de conversão de Pedro, que o habilitou a experimentar o Espírito do Deus da vida atuando no meio dos gentios, tal como acontecia entre os cristãos (Cf. At 10,1-11,18).
Memorável também foi à participação do apóstolo Pedro no Concílio de Jerusalém, por volta dos anos 49/50, onde, ao lado de Barnabé e Paulo, lutou pela abolição da lei da circuncisão, que tinha se transformado em um insuportável fardo para os cristãos oriundos do meio dos estrangeiros.
Paulo: “Ai de mim se eu não anunciar o Evangelho” (I Cor 9,16).
A conversão e vocação de Paulo se deram por ocasião da aparição de Cristo no caminho de Damasco: de perseguidor, Paulo se transformou em apóstolo e realizou, mais do que os outros apóstolos, a missão de ser testemunha de Cristo até os confins da terra (At 1,8). Apóstolo dos pagãos tornou realidade à universalidade da Igreja, da qual Pedro é o guardião. Paulo fez de sua vida uma plena dedicação à evangelização entre os pagãos, nas circunstâncias mais difíceis: a palavra tinha de ser ouvida por todas as nações (2°Tm 4,17). A ninguém podia ficar escondida a luz de Cristo!
O mundo em que Paulo se movimentava estava dividido entre a religiosidade rígida dos judeus farisaicos e o mundo pagão, entre a dissolução moral e o fanatismo religioso. Nesse contexto, o apóstolo anunciou o Cristo crucificado como a salvação: loucura para os gregos, escândalo para os judeus, mas alegria verdadeira para quem nele crê. Missão difícil. No fim de sua vida, Paulo pode dizer que “combateu o bom combate e conservou a fé”. Essa afirmação deve ser entendida como fidelidade na prática, tanto de Paulo como dos fiéis que ele ganhou. Como Cristo, o bom pastor, não deixa as ovelhas se perder, assim também o apóstolo, enviado de Cristo, as conserva nesse laço de adesão fiel, marca de sua própria vida.
Paulo foi conquistado, vencido por Cristo.
As lutas, as dores da Conversão. Ele descobre que sua vida do passado era falsa. É interessante notar o termo que Paulo usa – enfatiza que ele foi “conquistado” por Jesus. A palavra “conquista” implica luta, resistência. Paulo deixa transparecer que a sua conversão ao discipulado-missão não foi algo tão pacífico, mas custou luta e dor. O Livro dos Atos dos Apóstolos retrata essa experiência na história do Caminho de Damasco, quando Paulo recebe uma revelação de Jesus e fica “três dias sem poder ver, e não comeu nem bebeu nada” (At 9, 9), ou seja, a experiência de morte/ressurreição feita por Paulo, que terminou quando ouviu de Ananias as palavras “Saulo meu irmão, fique cheio do Espírito Santo” (At 9, 17), e Saulo (Paulo) levantou, foi batizado e logo depois comeu e ficou forte como antes. Uma maneira gráfica de transmitir a experiência de Paulo – quando por revelação de Jesus ele descobriu que a sua vida adulta inteira até aquele momento tinha sido baseado sobre uma falsidade – que a Lei salvasse. Que descoberta dolorosa – com aproximadamente 36 anos de idade, descobrir que tudo que tinha como certeza e fundamento de vida foi falso, pois a salvação vem pela graça de Deus em Jesus Cristo.
A conversão é um processo que dura à vida inteira.
O Apóstolo deixa bem claro que a conversão a Jesus não foi obra dum momento – mas um processo permanente, como é também nas nossas vidas. Aos Filipenses ele declara que; “eu não tenho conquistado o prêmio ou chegado à perfeição; apenas continuo correndo para conquistá-lo” (Fl 3,12). Assim é para todo/a cristão/ã e por isso Paulo encoraja a sua comunidade em Filipos com as palavras que valem hoje para nós, seja qual for a nossa idade, experiência ou caminhada feita: “qualquer que seja o ponto a que chegamos, caminhemos na mesa direção” (Fl 3,16).
Paulo é DISCIPULO MISSIONÁRIO de Jesus de Nazaré
A experiência do discipulado levou Paulo a ser missionário, pois entendeu muito bem que os dois elementos estão interligados. Embora não seja claro como foi à vida de Paulo depois da sua experiência de conversão – as informações em suas cartas nos diz que Paulo passou o resto da sua vida como missionário ambulante, junto com vários companheiros e companheiras.
A comunidade de Antioquia nos dá um exemplo da importância da missão na vida dos primeiros cristãos. At 13,1 nos dá um retrato da comunidade recém-formada naquela cidade cosmopolita que foi dirigida por cinco membros de várias origens, etnias e culturas, incluindo um levita de Chipre (Barnabé), um negro de África (Simeão, o Negro), um Líbio (Lúcio), um judeu da classe alta e um fariseu convertido de Tarso (Saulo). Esta comunidade pluricultural e multiétnica, na fragilidade da sua existência, já sentia a necessidade de mandar alguns membros em missão além-fronteiras, e escolheram não os mais fracos, os que sobravam que não fariam faltas, mas exatamente os dois esteios da comunidade, Barnabé e Saulo. Para ela – e assim deve ser para nós – missão não é algo opcional, nem uma simples atividade da Igreja, mas um atributo de Deus, que confiou essa tarefa às comunidades dos discípulos/as de Jesus. Missão não se faz quando não custa nada – para Paulo e seus companheiros, era da essência do ser cristão. Uma comunidade que não tem senso missionário pode ser tudo, menos uma comunidade verdadeiramente cristã.
Paulo trabalhou com as próprias mãos
O apóstolo Paulo dá uma enorme importância ao trabalho manual. Assim ele se expressa: “Vocês mesmos sabem que estas minhas mãos providenciaram o que era necessário para mim e para os que estavam comigo. Em tudo mostrei a vocês que é trabalhando assim que devemos ajudar os fracos, recordando as palavras do próprio Senhor Jesus, que disse: ´há mais felicidade em dar do que em receber.” (At 20,34-35)
Lucas, o autor de Atos dos Apóstolos, sabe que Paulo foi atacado porque trabalhava com as mãos. Alguns achavam no trabalho manual um sinal de que Paulo era um apóstolo de segunda categoria. Lucas quer justificar Paulo como um autêntico apóstolo e por isso afirma a nobreza do “trabalhar com as mãos”: assegurar a própria subsistência e poder ser solidário com os empobrecidos. O trabalhar manualmente foi uma postura tremendamente revolucionária e inovadora no ambiente helenista. Segundo a cultura helenista o trabalho nobre era o trabalho intelectual. Trabalhar manualmente era “coisa de escravo”. Paulo questiona na prática esta concepção discriminatória da sociedade e aponta para a igualdade real entre as pessoas. No fundo, ao “trabalhar com as mãos” para se auto sustentar, Paulo estava colocando o dedo em uma das feridas da sociedade que sustentava a hierarquia de pessoas. E mais: Paulo estava inoculando nas comunidades cristãs um modo diferente de se relacionar com o mundo do trabalho.
As comunidades paulinas estavam passando a acreditar progressivamente em uma Economia Popular Solidária, onde todos trabalhavam de modo coletivo, partilhando os frutos do trabalho e da generosidade da Mãe natureza, atendendo às necessidades de todos a partir dos mais enfraquecidos. Paulo sugeria, trabalhando manualmente, que o trabalho não devia ser para acumulação, mas para satisfazer as necessidades básicas da pessoa e da comunidade. As primeiras comunidades cristãs colocavam em prática o sonho de uma economia para satisfazer as necessidades básicas do povo e não para acumulação de capital.
E o trabalho manual nos nossos dias?
Em tempos de extinção de tantas espécies animais e vegetais, emprego é um “animal em extinção” no mundo globocolonizado, pois cada vez mais aumenta o exército de desempregados. Além da intensificação e a precarização do trabalho, a máquina que demite trabalhadores está funcionando a pleno vapor em todas as áreas do mundo do trabalho.
Infelizmente continuam vivas em nossa sociedade as distinções entre os diversos tipos de trabalho. Muitos trabalhos intelectualizados são muito bem remunerados e reconhecidos, enquanto os trabalhos manuais são “reservados” para os pobres, pessoas consideradas “incompetentes”. Por exemplo, se compararmos os salários de um jogador de futebol, de uma apresentadora de TV, de um executivo de uma transnacional, de um médico, de um gari, de um ajudante de pedreiro, de um boia-fria, o que virá à tona?
Na sociedade capitalista, o lugar para as pessoas que sobrevivem do trabalho manual é reduzido cada vez mais. Basta olhar a maneira como setores empresariais e poder público vêm tratando os artesãos de rua, de cultura hippie, que sobrevivem da arte manual com arames, linhas e pedras. São expulsos da cidade e tratados com violência e descaso. Também impressiona o desrespeito com os catadores de material reciclável. A catação é uma profissão antiga no Brasil e no mundo. Nos últimos tempos, o mercado descobriu que o lixo pode dar lucro e o trabalho manual dos catadores que retiram da reciclagem o seu sustento e de sua família tem sido ameaçado a cada dia pelas grandes empresas e pelos gestores públicos.
Sem Concluir
Enfim, Paulo e Pedro, por terem feito opção pelos pobres, se inculturado e atuado de forma ecumênica, muito nos inspiram. Paulo e Pedro entraram para a História como dois grandes pilares do cristianismo.


Ir. Vera Lucia Palermo | Missionária Salvatoriana em Guatemala – América Central
veraluciapalermo@gmail.com